Entrevista completa de Sergio Moro ao Fantástico da Rede Globo

Sergio Moro
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Entrevista de Sergio Moro ao Fantástico da Rede Globo no domingo 24.05

A entrevista de Sérgio Moro ao Fantástico, da Rede Globo, no domingo 23.05, começou morna. O ex-ministro evitou emitir opinião sobre o vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, no Palácio do Planalto, e que é peça no caso no STF, mas revelou que ficou desconfortável com o modo como era conduzido o governo e que a gravação é somente uma das possíveis provas que devem ser analisadas. “Tem que entender que a questão da interferência na Polícia Federal vem num contínuo”, disse.

Questionado pelo programa da Globo sobre silêncio na reunião ministerial, ex-ministro afirmou que “o ambiente não era favorável ao contraditório”

O ex-ministro ainda disse que se sentia desconfortável no governo e que a gota d’água da sua saída foi a tentativa de interferência na Polícia Federal.


“Fui permanecendo porque tinha esperança de conseguir avançar com essa agenda. Fui vendo essa agenda ser esvaziada e para mim a gota d’água foi a interferência na Polícia Federal. Em particular, porque a PF também investiga malfeitos dos próprios governantes”, disse Moro, que questionou as aproximações feitas por Bolsonaro com políticos no Congresso.

“O governo se vale da minha imagem, de combate firme à corrupção, e, de fato, não está fazendo isso”, diz Moro.  “Eu tinha um compromisso de combate à corrupção, à criminalidade violenta e ao crime organizado. Em parte isso foi realizado, especialmente a criminalidade violenta e o combate ao crime organizado. O que entendi, no entanto é que essa agenda anticorrupção, e me desculpe os seguidores do presidente se essa é uma verdade inconveniente, é que essa agenda não teve o impulso por parte do presidente da República para que nós implementássemos”, afirmou.

Moro ainda viu falta de apoio do presidente em certas disputas políticas, como a transferência do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) do ministério da Justiça para a Economia, na apresentação do projeto anticrimee quanto à execução de pena após decisão em segunda instância.

O ex ministro aponta ‘posição negacionista’ de Bolsonaro sobre pandemia e agrega: “Ele foi alertado da escalada de mortes, mas falta planejamento.

Entrevista completa de Sergio Moro ao Fantástico da Rede Globo

O presidente cometeu crime?

Veja, eu, quando deixei o governo, fiz aquele pronunciamento e depois prestei um depoimento, eu deixei muito claro que nunca foi minha intenção prejudicar o governo de qualquer maneira. O que aconteceu, na minha avaliação, foi uma interferência política do presidente da República na Polícia Federal, tanto na direção como também na superintendência do Rio de Janeiro. Entendi pela relevância do assunto que era minha obrigação revelar a verdade por trás da minha saída. Cabe agora às instituições – PGR, Polícia Federal e o próprio Superior Tribunal Federal – fazer uma avaliação sobre esses fatos. Da minha parte não cabe emitir opinião específica a esse respeito.


 


Horas antes da reunião ministerial do dia 22 de abril o presidente mandou mensagem dizendo que tiraria Valeixo da direção da Polícia Federal.


Ele mandou estas mensagens, de fato, no dia 22, dizendo, ‘olha, vai trocar de qualquer jeito, você escolhe apenas a forma’. Isso demonstra essa argumentação (do presidente) de que não havia interesse de interferência na Polícia Federal não é propriamente correto. Esse vídeo é mais um dos elementos de prova. Nós tivemos a reunião, né, Ministerial, no qual novamente ele externou essas situações de que ele iria trocar, intervir, né, porque os serviços de inteligência não funcionavam, ele precisava trocar, e ele ali me parece claro, até no gestual que ele realiza, que se refere a mim, à Polícia Federal. Agora, eu não ia discutir isso, no âmbito de uma reunião ministerial, até porque ali o ambiente não é um ambiente muito favorável ao contraditório. 


Na reunião, o presidente faz declaração contundente sobre querer prejudicar familiares e amigos dele. Isso acabou. Em outro momento ele verbalizou a preocupação com a família dele?


Quem tem que dar essa explicação, quem tem que esclarecer o sentido dessas afirmações, a meu ver, é o Planalto, e não o ex-Ministro da Justiça. Veja, o presidente externou publicamente as diversas preocupações que ele tinha em relação aos filhos dele. O que existe é todo um contexto é a necessidade externada pelo presidente de colocar pessoas da confiança dele, numa insatisfação com os serviços de inteligência que eram prestados pela PF. Tem que ver exatamente o que ele entende por serviços de inteligência, que, para ele, estavam insatisfatórios.


O presidente diz ter um sistema particular de informações. O senhor inha conhecimento desse sistema?


Acho que isso tem que ser indagado ao presidente da República. O que ele quis dizer com esse serviço particular. O que me causou mais preocupação foi me parece o desejo de que os serviços de inteligência prestados por esse serviço particular passassem a ser prestados pelos serviços oficiais.


 


Em um dos momentos, Bolsonaro olha para o senhor


Acho que o vídeo fala por si. quando ele olha na minha direção, isso evidencia que ele estava tratando desse assunto, falando desse assunto, da Polícia Federal. E nós temos que analisar os fatos que ocorreram anteriormente, ele não teve nenhuma dificuldade de alterar o serviço do GSI, inclusive do Rio de Janeiro, ele promoveu aquelas pessoas envolvidas, sinal de que tinha uma insatisfação, e os fatos posteriores, os fatos posteriores são o que: a mensagem que ele me manda na quinta de manhã, que ele fala ‘mais um motivo para a troca’, após enviar uma mensagem relativa a um inquérito no Supremo Tribunal Federal, e para o outro lado o que acontece: acontece a demissão do diretor Valeixo…


Em que momento o senhor sentiu que o presidente estava tentando agir para atender aos interesses dele?


Olha, essa questão da interferência na Polícia Federal, ela vem num contínuo, no qual eu ingressei no governo, e até dei uma entrevista na época ao Fantástico, muito claro de que eu tinha um compromisso no combate à corrupção, no combate à criminalidade violenta, no combate ao crime organizado. E, em parte, isso foi realizado, especialmente no combate à criminalidade violenta e ao crime organizado. O que eu entendi, no entanto, é que essa agenda anticorrupção, e me desculpem aqui os seguidores do presidente, se essa é uma verdade inconveniente, mas essa agenda anticorrupção não teve um impulso por parte do presidente da República para que nós implementássemos. Então, nós tivemos por exemplo a transferência do COAF, do Ministério da Justiça, não houve empenho do Planalto ali para que fosse mantido no âmbito do Ministério da Justiça… Depois, houve o projeto anti crime, que não houve o apoio adequado por parte do Planalto. Houve lá a mudança do entendimento da execução em segunda instância, depois foi apresentada proposta de emenda constitucional para restabelecer a execução em segunda instância, o que acho muito importante contra a corrupção, e não houve nenhuma palavra do presidente da República em apoio. Então, essa interferência na Polícia Federal, a meu ver, ela vem no âmbito de um contínuo em que eu vi essa agenda anticorrupção ser cada vez mais esvaziada. E recentemente nós vimos essas alianças, né, que são realizadas com políticos que não têm um histórico assim totalmente positivo dentro da história da administração pública. É certo que é preciso ter alianças no Parlamento para conseguir aprovar projetos, então, acabei entendendo, com essa interferência, que, olha, não faz sentido em permanecer no governo. até porque, né, qual é a minha percepção: o governo se vale da minha imagem, que eu tenho esse passado de combate firme contra a corrupção, e de fato o governo não está fazendo isso, não está fortalecendo as instituições para o combate à corrupção. 


Por que não saiu antes?


Fui permanecendo porque tinha esperança de conseguir avançar com essa agenda. Fui vendo essa agenda ser esvaziada e para mim a gota d’água foi a interferência na Polícia Federal. Em particular, porque a PF também investiga malfeitos dos próprios governantes.


O senhor teria guardado prova justamente para não parecer omisso sobre condutas criminosas do presidente durante sua gestão?

 

De forma nenhuma. Não houve nenhuma situação, eu revelaria se fosse o caso. No contexto mencionado antes, há um desapontamento em relação à falta de empenho do presidente com a agenda anticorrupção. Que agora, com essas alianças políticas, algumas questionáveis. Veja, eu não tenho nada contra os políticos, mas algumas alianças são realmente questionáveis.


 


O senhor acha que o presidente quebrou esse compromisso de não proteger ninguém?


“Quando há essa interferência sem causa na Polícia Federal, isso me trouxe, assim, muito incômodo. Se viu, em outras situações, substituições, trocas, demissões, em outros órgãos do estado, notadamente na área ambiental, e também seriam controversas.


Que trocas controversas?


A própria questão das substituições no Ministério da Saúde, acho que são absolutamente controversas. É claro que o presidente escolhe os seus ministros, mas são substituições bastante questionáveis do ponto de vista técnico. Quero dizer que eu também me sentia desconfortável com essa gestão. A posição do governo federal em relação à pandemia, muito pouco construtiva.


Por que a pandemia não foi discutida naquela reunião?


“Essa é um questão que deveria ser dirigida principalmente ao presidente da República. O presidente tem uma posição negacionista em relação à pandemia. Houve debate também sobre prisão, no caso de infração de descumprimento de isolamento e de quarentena. Teve alguns episódios, foram até noticiados, de algumas pessoas que foram presas por violação do isolamento, de quarentena, e eu sempre externei a minha opinião que a prisão deve ser evitada ao máximo. Isso deve ser objeto de diálogo, de convencimento, mas existe uma possibilidade legal da prisão porque é um crime previsto, uma infração penal prevista no Artigo 268 do Código Penal.